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- Para-brisa limpo, prato vazio
Nossa história já presenciou cinco extinções em massa, que funcionaram como um recomeço evolucionário. Há 450 milhões de anos, 86% de todas as espécies vivas foram mortas. Setenta milhões de anos depois, 75%. Cem milhões de anos após, 96%. Cinquenta milhões de anos depois, 80%, e 150 milhões de anos depois, mais uma vez, 75%. De todas elas, apenas uma, a que matou os dinossauros, foi provocada por um asteroide. Todas as outras foram em função de mudanças no clima da Terra. Uma sexta extinção está em marcha, e você pode percebê-la de uma forma mais fácil que imagina. A sensação de que o número de insetos que se espatifam nos para-brisas tem diminuído é uma pista para percebermos como a população de abelhas, gafanhotos, libélulas, formigas, besouros, borboletas, entre as mais de 1,5 milhão de espécies conhecidas – três vezes mais do que o número de espécies de outros animais somadas – tem diminuído. E esse declínio pode significar a extinção de uma boa parte da vida do planeta. Pesquisadores da Universidade de Sydney e da Academia Chinesa de Ciências Agrárias perceberam que os insetos estão caminhando para a extinção, o que nos levaria a um “colapso catastrófico dos ecossistemas da natureza”, ao analisaram 73 estudos de longo prazo sobre o declínio de insetos ao redor do mundo. A conclusão é de que mais de 40% das espécies de insetos estão sofrendo quedas populacionais em um ritmo constante, e a uma velocidade oito vezes maior, em média, do que a dos mamíferos, aves e répteis. Estudo publicado na Science, analisando dados de pesquisas de campo da Sociedade de Entomologia de Krefeld, Alemanha, desde 1989, constatou que a biomassa de insetos que fica presa em equipamentos de captura diminuiu 80%. As abelhas venceram o plâncton na “final” da escolha realizada pelo Instituto EarthWatch, em novembro de 2008. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), abelhas ou outros insetos são necessários na polinização de cerca de 84% das culturas para consumo humano. Estudo da própria FAO, que comparou 344 regiões agrícolas na África, na Ásia e na América Latina, concluiu que a produtividade é mais baixa nos terrenos que atraíram um menor número de abelhas durante a temporada principal de floração. Diversas são as causas apontadas desse declínio: a urbanização, a agricultura intensiva, o uso de pesticidas e as mudanças climáticas que alteram, por exemplo, os períodos de sincronia entre a floração das plantas e a chegada ou a eclosão dos insetos. Sem eles, o colapso da cadeia alimentar, causado por uma cascara trófica de baixo para cima, atingirá desde predadores até as plantas, aniquilando ecossistemas inteiros, com prejuízos econômicos incalculáveis. Para impedir essa tragédia, é urgente uma drástica redução no uso de produtos químicos como herbicidas, fungicidas e pesticidas, que, quando aplicados, atingem espécies não-alvo, e os neonicotinoides, que têm sido associados ao declínio mundial das abelhas. Infelizmente, de maneira irresponsável, o Brasil bateu recordes na liberação de quase 200 novos agrotóxicos só este ano, alguns proibidos na Europa há mais de uma década. O desaparecimento dos insetos é o golpe final no complexo sistema que sustenta a vida na Terra. Se eles desaparecerem, não irão sozinhos. Artigo produzido por André Fraga originalmente publicado na edição impressa em 04/07/2019 do Jornal Correio. #vidanoplaneta #andréfraga #parabrisa #insetos #extinção #salvador
- Semana do Clima: história e ação
09Não foram números recordes de inscrições com mais de 5500 pessoas de 32 países da região e 93 nacionalidades, que fizeram da Semana Latino Americana e Caribenha do Clima, promovida pela ONU e coorganizado pela Prefeitura de Salvador, um evento histórico. Nem a quantidade nunca antes vista de repórteres, TVs, jornais, site e blogs credenciados que proporcionaram visibilidade sem igual nas edições do mesmo evento nos últimos 10 anos em diversos países. Tão pouco a taxa de ocupação hoteleira que bateu picos de 90% de ocupação em um mês intermediário entre alta e baixa estação. A LAC Climate Week 2019, que aconteceu na Primeira Capital do Brasil, proporcionou a oportunidade mostrar ao mundo que no Brasil, existem líderes sérios, com força e prestigio político suficientes para garantir que o Brasil seguirá contribuindo para o enfrentamento da crise climática. Desde 2001, tivemos 18 entre os 19 anos mais quentes. E 2018 só perde para 2016, 2017 e 2015, entre os anos mais quentes de todo o século 19. Se considerarmos o primeiro semestre de 2019, teremos mais um ano para o time da crise climática. Já não se pode falar de mudança climática como algo que nos alcançará. Ilhas e ondas de calor mais intensas, inundações urbanas, costeiras, secas e estiagens mais frequentes e aumento de doenças transmitidas por vetores, como malária e dengue já causam mortes e são e efeitos diretos das alterações climáticas. E é nos centros urbanos onde está o maior desafio. As cidades tem feito da paradiplomacia a grande alternativa para alcançar as metas do acordo de Paris, especialmente quando governos nacionais não ampliam suas ambições para acelerar a transição rumo a uma economia de baixo carbono. Os 94 governos locais da rede C40, todos megacidades incluindo Salvador, já aderiram a compromissos voluntários que, somados, tem o potencial de reduzir a emissão de 2.4 gigatoneladas de carbono equivalente em mais de 10.000 ações. Não é uma força pequena. Nessas cidades vivem 1 em cada 12 pessoas do mundo e está 25% do PIB planetário. Ter um evento dessa magnitude promovido e coorganizado por um governo local, a Prefeitura de Salvador, é sem dúvidas uma contribuição sem igual a essa forma de diplomacia para o enfrentamento da crise climática. O prefeito ACM Neto com tranquilidade, e conectado com o sentimento e necessidades de uma sociedade do século 21 se movimentou de forma brilhante, reunindo outros líderes e deixando a clara mensagem de compromisso com uma mobilidade mais limpa e sustentável, a ampliação e consolidação das áreas verdes e unidades de conservação, um projeto de desenvolvimento ecológico para a Amazônia, o respeito e ação pelos oceanos, a luta por investimento em saneamento, o reconhecimento de evidências cientificas que mostram que as alterações no clima global são fruto da ação humana, entre tantos outros. No momento que vivemos uma ação deliberada de enfraquecimento institucional dos instrumentos de comando e controle ambientais, do corte de investimentos para fortalecer ações, a ausência de um olhar que trate nosso patrimônio natural de forma estratégica gerando emprego e renda verdes e inovadores, Salvador não foge ao seu papel de contribuir para a história do Brasil e da diplomacia global, com impactos significativos para nosso presente, olhando de forma muito atenta nosso futuro. Artigo produzido por André Fraga originalmente publicado em 28/03/2019 no site Tribuna da Bahia Online #climatechange #climateweek #onu #semanadoclima
- A gente fuma todo dia
Quantos cigarros você fuma por dia? Você não fuma cigarro? Fuma sim. A poluição do ar é uma das principais causas de mortes no mundo. De acordo com estudo publicado no European Heart Journal ela foi a causa de 8,8 milhões de mortes em 2015, a partir de doenças cardiovasculares como ataque cardíaco e AVC, e já ultrapassa as causadas pelo consumo de tabaco que matou 7,2 milhões de pessoas em 2015, segundo dados da OMS. Gerenciando os índices de poluição atmosférica de 4.300 cidades de 108 países, a OMS alerta que noventa por cento das pessoas, em todo o mundo, respiram ar poluído. No Brasil as mortes causadas pela poluição do ar aumentaram 14% em 10 anos, segundo o Ministério da Saúde que verificou mais óbitos por câncer de pulmão, traqueia e brônquios e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Em 2006, 38.782 morreram, número que pulou para 44.228 em 2016, de acordo com o estudo Saúde Brasil 2018. Internações por problemas respiratórios custaram R$ 1,3 bilhão ao SUS em 2018. A poluição do ar está diretamente ligada à crise climática planetária, especialmente nos países em desenvolvimento. Na maioria das cidades latino-americanas, a principal contribuição de emissões de Gases de Efeito Estufa vem do setor de transporte. Carros, ônibus, motocicletas, caminhões, são responsáveis por 74% de tudo que é emitido em Salvador através da queima de combustíveis fosseis. Não é muito diferente em São Paulo, Rio de Janeiro ou Bogotá e Cidade do México. E aqui reside um dos maiores desafios urbanos que vivemos: como financiar a redução as emissões promovendo a transição da matriz energética do transporte nas nossas cidades? Salvador já iniciou sua jornada para cumprir essa missão. Estudo realizado pela Prefeitura em parceria com a Fiocruz, a rede C40 e a Johnson & Johnson avaliou os impactos da mudança de motorização da frota municipal de ônibus, promovida pela Secretaria de Mobilidade. Em março de 2018, quando o estudo foi lançado, 885 ônibus de uma frota de 2700 ônibus já tinham sido trocados por um padrão menos poluente. A conclusão é que a mudança da frota, planejada pra ser completa até o final de 2020, passou a evitar 10 mortes por ano na cidade, além de aumentar em 2 dias a expectativa de vida de cada soteropolitanx. Há ainda a economia de 19.4 milhões de reais no sistema público de saúde com o tratamento de doenças associadas a poluição do ar. Uma alternativa ainda mais robusta é a consolidação da eletromobilidade, que não emite gases de efeito estufa. Basta que o Brasil adote a nível nacional políticas de promoção da eletromobilidade e de sua infraestrutura, crie linhas de financiamento preferenciais que facilitem a compra de veículos elétricos, reduza a carga tributária para esses veículos e seus componentes e taxe os motores poluentes. Caso a matriz de ônibus fosse elétrica a economia saltaria para R$72 milhões em problemas de saúde e evitaria 39 mortes por ano em Salvador. Em SP, pesquisa da USP avaliou pulmões de 413 cadáveres da capital paulista e descobriu que em uma hora de trânsito as pessoas “fumam” 5 cigarros. E você, quantos cigarros fumou hoje? Artigo produzido por André Fraga originalmente publicado na edição impressa em 10/12/2019 do Jornal CORREIO*. #lixo #poluição #fuma #poluiçãodoar #mudançaclimática
- O Recado Ambiental da Pandemia
Há tempos soam alertas da ciência sobre a relação entre as doenças infectocontagiosas e a degradação ambiental provocada por modelos insustentáveis de desenvolvimento. Mas só uma emergência da gravidade de uma pandemia para evidenciar o quanto a saúde econômica de uma cidade, um país, do planeta depende da saúde sanitária e do equilíbrio ecológico. Em Salvador, temos ecoado este alerta na luta para impedir que avenidas e edifícios tomem lugar no Vale Encantado de Patamares, uma das áreas do amplo programa de novos parques desenvolvido pela Prefeitura de Salvador. O Vale é um importante remanescente de Mata Atlântica em área pública, que conecta o Parque de Pituaçu e a Mata do Cascão aos demais trechos de floresta ainda existentes na cidade, como os da Área de Proteção Ambiental Joanes e Ipitanga Por atuar como um refúgio de vida silvestre, a preservação do Vale Encantado é crucial para a saúde sanitária de Salvador e, em consequência, para o desenvolvimento sustentado de sua economia. A manutenção de habitats naturais reduz o risco das doenças transmitidas de animais para humanos se espalharem com facilidade, como demonstra o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Basta lembrar a relação direta entre destruição de habitats naturais e doenças emergentes geradoras de epidemias recentes, como Ebola, gripe aviária, febre do Vale do Rift, febre do Nilo Ocidental e Zika Vírus: todas passadas de animais para pessoas. A origem da Covid-19 ainda não está totalmente esclarecida, mas a transmissão zoonótica é de novo a mais provável. O foco inicial em Wuhan, na China, foi um mercado de animais, muitos deles retirados da natureza. O Vale Encantado abriga 76% de todas as espécies de plantas registradas na Grande Salvador e inúmeras espécies de animais ameaçadas de extinção, endêmicas da Mata Atlântica e migratórias, além de ser um dos poucos lugares da cidade com nascentes, brejos, lagoas e rios livres de esgotos e poluição. Garantir a existência de áreas verdes dessa importância é a melhor forma de se evitar, localmente, a emersão e propagação de vírus causadores de epidemias. Se no pós-pandemia do Covid-19 prevalecer a racionalidade, espaço de natureza urbana como o Vale Encantado poderá assumir, de vez, a sua vocação de ser um grande centro de visitação e educação ambiental, e também um grande laboratório à céu aberto para pesquisas científicas, como já vem acontecendo. A geração de empregos, negócios e renda é outro ponto fundamental. O turismo ecológico injetou quase 4 bilhões de dólares na economia da pequena Costa Rica, especialmente focado na visitação de seus parques. Ademais, em toda parte, investimento em infraestrutura verde se integra ao setor da construção civil, valorizando futuros produtos imobiliários. Soma-se nesta conta o valor monetário dos serviços ecossistêmicos, como o controle da poluição e qualidade do ar, redução do calor e melhoria do microclima, drenagem de águas pluviais que evitam alagamentos. No Vale Encantado, tomando como base estudos realizados em ecossistemas urbanos temperados e bem menos biodiversos que a Mata Atlântica, esse ganho pode ser minimamente estimado em cerca de 6 milhões de reais por ano. A lição do novo coronavírus deixou claro para todo mundo que nossa conexão com a natureza não tem hierarquia, é de codepêndencia. Seres humanos e animais são parceiros na busca por um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. A natureza nos mostra mais uma vez que somente com cooperação, agindo em rede e preservando a biodiversidade, nossa espécie poderá sobreviver nesse Planeta. Temos a oportunidade de mostrar que entendemos a mensagem e transformar o Vale Encantado no 1o Refúgio de Vida Silvestre de Salvador. Artigo produzido por André Fraga originalmente publicado na edição impressa da Tribuna da Bahia em 28/03/2020 #coronavirus #meioambiente #pandemia #saúdepública
- Antropoceno: Crise do Clima e Pandemias
Não se fala em outra coisa. Um ser que ninguém vê a olho nu, pode estar em todo lugar, tendo viajado o mundo inteiro e alterado a vida de famílias, cidades, estados e países. Um vírus originário da nossa relação, nada sustentável, com animais silvestres (nesse caso um morcego), se alastra de forma devastadora e, não podia ser diferente, se transformou na prioridade número zero para o planeta. Quem não se sentiu em um filme de ficção cientifica, naquela situação que ninguém imaginava realmente acontecer? A pandemia saiu do dicionário e virou verbete onipresente na TV, Jornais, Internet e conversas pelo celular, afinal não temos mais as conversas de bar. A consolidação e aprofundamento da chamada globalização, o mais alto índice de urbanização da história e uma desigualdade social que ainda nos envergonha (ou deveria), são ingredientes que transformaram o Corona Virus presente em todos os continentes. Porém, há um elemento fundamental nesse processo: não podemos deixar de lado que vivemos a Era do Antropoceno. Nossa era se caracteriza pelo impacto que o homem tem causado nos ecossistemas. Em prol do desenvolvimento econômico modifica de forma irreparável as condições climáticas no planeta, evidenciando um modelo de globalização e da exploração do ambiente já insustentável. Por outro lado, o COVID19 tem sido chamado de Vírus da “desglobalização”, em função da forma como governos de todo o mundo vêm reagindo para conter o avanço do contágio: fechar portos, aeroportos, estradas e rodoviárias. Uma outra reflexão importante é que a crise climática passou pra lista secundária de prioridades. É natural e necessário que o combate ao vírus seja a única prioridade do momento, mas como sairemos dessa grande confusão? O COVID19 está mostrando como subestimamos os impactos da crise climática, em especial, dos riscos à saúde que enfrentamos diariamente. A poluição do ar é uma das principais causas de mortes no mundo. De acordo com estudo publicado no European Heart Journal, ela foi a causa de 8,8 milhões de mortes em 2015, a partir de doenças cardiovasculares como ataque cardíaco e AVC, e já ultrapassa as causadas pelo consumo de tabaco que matou 7,2 milhões de pessoas em 2015, segundo dados da OMS. No Brasil, essas mortes aumentaram 14% em 10 anos. Em 2006, 38.782 morreram, número que pulou para 44.228 em 2016, de acordo com o estudo Saúde Brasil 2018. Internações por problemas respiratórios custaram R$ 1,3 bilhão ao SUS em 2018. Estudos recentes revelam que a infecção pelo Corona Vírus é maior em pessoas expostas ao cigarro e a poluição. Só na China, a poluição do ar matou 1,6 milhões de pessoas por ano e em todo o mundo 7 milhões. Durante este surto na China, em dois meses, cerca de 3200 pessoas morreram devido a poluição do ar, um número maior que o Covid-19. Essa pandemia traz lições que deverão nortear decisões futuras para a questão climática, modificando o comportamento humano frente aos riscos sanitários e ecossistemas naturais. Tudo está interconectado e a visão de saúde no Antropoceno deve considerar a perspectiva de uma saúde planetária. Já que estamos em casa, aproveitemos para cuidar do nosso quintal, pois a dengue não respeita quarentena. Já temos um desafio gigantesco pela frente e não precisamos de um mosquito pra nos atrapalhar, né?! Nelzair Vianna é Pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz e Doutora em Ciências pela FMUSP . André Fraga é Engenheiro Ambiental e Doutorando pela Faculdade de Medicina da USP. Artigo originalmente publicado na edição impressa do Jornal Correio* em 02/03/2020 #coroanvirus #climatechange #crisedoclima #pandemia #mudançaclimática
- Chegamos ao Ponto de Mutação?
Angustiado com o isolamento necessário para enfrentarmos esse organismo microscópico, mas entre reuniões digitais, afazeres domésticos e apoio a organizações sociais e grupos vulneráveis, consegui também me reencontrar com alguns grandes amigos. Amigos que moram aqui casa, e, mesmo assim, ficávamos algum tempo sem nos ver. Livros que moldaram minha forma de ver e entender o mundo. Entre eles, esses dias me reencontrei com, o Ponto de Mutação, Fritjof Capra. E foi um reencontro providencial. Capra ficou conhecido em 1975 quando lançou seu livro de estreia, já vendendo milhões de copias por todo o mundo. Mundo, que saia dos anos 60 onde a contracultura trouxe ideias de pacifismo, igualdade e amor. Físico com passagens por universidades tradicionais e renomadas do ocidente, se conectou com a sabedoria, o misticismo e as religiões orientais. Budismo, hinduísmo, taoísmo. O livro best seller foi o Tao da Física, onde ele conecta a física moderna à filosofia tradicional oriental. A ousadia de dizer que Newton e Descartes já não tinham as respostas para os desafios atuais e que a física moderna é muito mais próxima de ensinamentos milenares orientais, não passaria desapercebida. Parte da academia riu. Outra parte acreditou que tivesse enlouquecido. Mas milhões de pessoas o leram. O Tao, aquele símbolo que a gente conhece popularmente como Yin Yang e que dá nome ao livro, representa um princípio básico, mas que foi perdido, de acordo com Capra, em função da visão mecanicista da física ocidental clássica cartesiana, que separa e compartimentaliza tudo, e que influenciou todas as outras áreas do conhecimento: o equilíbrio. Ele mostra que, ao longo da história da humanidade, o Yang, a energia masculina, predominou gerando o patriarcado, o capitalismo e métodos de exploração e dominação. Esse excesso de energia Yang trouxe avanços, mas reprimiu a energia Yin, feminina, corpo-intuição. Essa repressão e desequilíbrio gera crises em função da devastação de florestas, polução de rios, do consumo ilimitado de recursos naturais, da desigualdade social, da escravidão humana e animal. Abre-se então, de forma necessária, mas também natural, espaço para o reequilíbrio entre as energias, e Yin, representada pela ecologia, cooperação e feminismo emerge, a partir de modelos sistêmicos e holísticos, para reequilibrar nossa forma de desenvolvimento, promovendo harmonia e sensibilidade na construção de um mundo mais justo, igualitário e sustentável. Entender a grande teia da vida, que cresce em todas as direções e se relaciona de infinitas formas, deixar o patriarcado de vez pra trás e olhar pra um futuro colaborativo e harmônico. Mas o amigo que reencontrei me apresentou tudo isso de uma maneira mais detalhada, ainda na faculdade de Engenharia Ambiental. Logo na Engenharia? Foi o segundo livro de Capra, que se chama O Ponto de Mutação. Nesse livro ele explora mais detalhadamente como em todas as frentes do conhecimento, o paradigma cartesiano nos trouxe até um momento de mutação. O nome do livro, mais uma vez vem de uma cultura oriental. É inspirado no I Ching, ou Livro das Mutações, conjunto complexo de textos clássicos chineses que foram reunidos ao longo da história. Pode ser estudado como um oráculo ou como um livro de sabedoria. O Ponto de Mutação vai mostrando como chegamos em crises na economia, na medicina, na psicologia em função da opção mecanicista cartesiana que fizemos, chegando definitivamente ao nosso momento de transformação. Em contraponto, ele segue defendendo uma visão holística e sistêmica, para darmos conta da complexidade real da teia da vida, e como as concepções mais modernas da física, em especial a quântica, trazem caminhos para um futuro equilibrado e harmônico, e se conectam com os ensinamentos milenares orientais. E, no meio de uma pandemia, algo que lá no fundo a gente nunca achou que ia acontecer, não podemos negar que tá tudo desequilibrado, né? E, podendo pensar um pouco sobre tudo, lembro que até alguns dias atrás um assunto vinha mobilizando milhares de jovens por todo o mundo, em grandes passeatas que reuniram dezenas de milhares de pessoas. Esse mesmo assunto transformou uma menina de 17 anos, na maior liderança pelo combate a crise climática das últimas décadas. Ela foi capa da revista Time, esteve no Fórum Econômico Mundial, em diversas conferencias da ONU, sentou-se com os maiores líderes globais e mega empresários e foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz. A força de Greta Thumberg residia na sua capacidade, sem igual nos últimos anos, de mobilizar pessoas fisicamente para ir as ruas e de se posicionar de forma firme. Greta trazia ainda uma forte simbologia. Uma mulher e jovem. Uma grande injeção de Yin para forçar o reequilíbrio. De repente tudo mudou. As cenas de ruas tomadas por pessoas exigindo ação firme de seus governos para impedir que o clima do planeta sofresse danos irreversíveis, por enquanto, ficarão como lembranças registradas em fotografias. A orientação para que todos fiquem em casa com o objetivo de retardar o contágio e não levar os sistemas de saúde ao colapso, não só fizeram com que Greta interrompesse sua ofensiva, mas também colocou a crise climática num segundo plano de prioridade. De alguma maneira, a evolução do problema também ficou em segundo plano, com forte impacto na vida e economia do planeta. E aí reside uma oportunidade. Mas não é isso que todas as crises representam? É bem provável que a desaceleração econômica provocada pela pandemia tenha um impacto equivalente ou maior do que a recessão global causada pela crise de 2008, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa globais em 2020 e talvez em 2021 ou 2022. Se seguíssemos a trajetória que tínhamos trilhando, dificilmente conseguiríamos segurar o aumento da temperatura do planeta abaixo dos 2 graus centígrados e evitar uma tragédia global ainda maior que a pandemia nos oferece agora. E essa oportunidade precisa ser aproveitada em todos os sentidos. Repensar investimentos em infraestrutura, as opções para a matriz energética global e a regulação de mercado financeiro. Reduzir desigualdades e redirecionar o desenvolvimento para um modelo menos economicista, baseado no crescimento infinito do PIB, e mais biológico, holístico e sistêmico, considerando o desdobramento multidimensional da vida e das nossas capacidades, não apenas econômicas, mas culturais, espirituais e intelectuais. Vivemos aquele momento em que temos a oportunidade de escolher um novo modelo, uma sociedade nova, mais colaborativa, harmônica e de baixo carbono. E nessa quarentena encontrei um novo amigo. E ele, já meio que conhecia O Ponto de Mutação. Comecei a ler Autobiografia de um Yogue, de Paramahansa Yogananda. André Fraga, é Engenheiro Ambiental e acha que Newton não percebeu tudo que tinha a ver com a queda da maçã. Artigo produzido por André Fraga originalmente publicado no site Muita Informação em 18/04/2020 #andréfraga #sustentabilidade #meioambiente #FritjofCapra #gretathumberg
- A crise já estava aqui
Como a crise climática, o tráfico e consumo de animais silvestres, o desmatamento e a produção de animais nos ajudam a entender porque o mundo parou com o novo coronavírus. O pangolim é um pequeno mamífero, de hábitos noturnos, que lembra fisicamente o nosso tatu. Come formigas e térmitas, as farejando até dois metros abaixo da terra e enchendo a barriga com até 70 mil formigas por ano usando uma língua do tamanho do seu corpo. Pra se proteger, emite um cheiro ruim e se enrosca, como nosso tatu bola, para usar suas escamas como barreira ao ataque inimigo. São oito espécies diferentes que vivem em zonas tropicais da Ásia e África. Ele está em risco de extinção e sua caça e venda são proibidos. O pangolim é o animal mais caçado e traficado do mundo. Se estima que represente cerca de 20% de todo o comércio ilegal de espécies selvagens e que na última década mais de um milhão tenha sido capturado. Um animal vivo rende escamas, que depois de tostadas, moídas e cozidas, são usadas na medicina tradicional chinesa para o tratamento de malária, surdez ou reumatismo. Cada quilo de escamas precisa de três ou quatro animais mortos. Um pangolim vivo chega a custar até 600 dólares, sendo a sua carne, geralmente ensopada com gengibre e citronela, muito procurada pelas elites endinheiradas para demonstrar status. Na China, é comum a existência de mercados onde se vende animais vivos, que escolhidos pelos compradores são abatidos, esquartejados e embalados alguns minutos depois. Os animais, das mais diversas espécies e portes, ficam em gaiolas amontoados e misturados de forma caótica, seres capturados em ecossistemas muito diferentes, entre si, trocam fluidos como sangue, fezes, urina e pus, o que, somado ao stress e baixa imunidade cria o ambiente ideal para a transmissão de vírus entre espécies. Até agora, o pangolim é um dos principais ¨suspeitos¨ de ter sido o hospedeiro intermediário do novo coronavírus através de uma interação forçada com morcegos no mercado de Wuhan, China. Pesquisa de cientistas de diversas universidades chinesas publicada na revista Nature, concluiu que o pangolim é um potencial hospedeiro intermediário para a COVD-19. Os cientistas analisaram pangolins-malaios (Manis javanica) resgatados do tráfico de animais e encontraram diversos vírus parecidos com o que está infectando humanos atualmente. Se o pangolim ainda é suspeito, por outro lado já há uma certeza: os morcegos carregam o coronavírus. Morcegos são conhecidos por serem hospedeiros de diversos vírus sem desenvolver as doenças. Eles foram os hospedeiros de outros dois tipos de coronavírus que já causaram problemas globais de saúde: o vírus da SARS (Síndrome respiratória aguda grave), que surgiu na China em 2002 e causou 800 mortes no mundo, e o da MERS (Síndrome respiratória do Oriente Médio), que também causou mortes quando surgiu na Arábia Saudita em 2012. Existem diversas cepas de coronavirus circulando, ou que já circularam entre os humanos: 229E, NL63, OC43, HKU, SARS COV, SARS-COV-2 e MERS-COV, com letalidades que chegam a 32%. A regra geral é que esses coronavírus precisam passar de um morcego para um hospedeiro intermediário, outro animal, e antes passar pela mutação necessária para infectar seres humanos. No caso da SARS, por exemplo, a civeta, outro mamífero de zonas tropicais, foi identificada como a hospedeira. As civetas são exploradas por exemplo para produzir café, vendido como elixir e também são facilmente encontradas nos mercados chineses. Já a MERS, provavelmente chegou nos humanos através de dromedários. Outra pesquisa, também publicada na revista Nature, demonstrou que o código genético do coronavírus que nos infecta é 96% semelhante aos que circulam em morcegos na China. Não só a interação forçada em mercados tem sido responsável pela transmissão zoonótica dos vírus. Em 1998, o desmatamento em uma região da Malásia fez com que morcegos começassem a migrar em busca de alimento e estabeleceram-se em uma nova região onde a produção de mangas se dava junto com a criação de porcos. Os morcegos comiam as mangas que, depois caíam em cima dos porcos, que também as comiam. Um vírus carregado pelos morcegos pulou para os porcos, passou por uma mutação e pulou para humanos. Desde então, pessoas estão morrendo na Malásia, Cingapura, Bangladesh e Índia do vírus nipah, nome de um vilarejo na Malasia onde os primeiros casos foram descobertos. O HIV veio dos chimpanzés e o Ebola também dos morcegos. Outra causa tem sido a crise climática, com o aumento médio da temperatura do planeta causada por nossas atividades. O ciclo reprodutivo de muitas plantas mudou em função da alteração do clima. Isso fez com que árvores frutíferas mudassem seu padrão e diversos animais, que antes não se cruzavam na natureza, busquem a mesma árvore para se alimentar. Podem comer a mesma fruta, trocar fluidos e depois se conectarem com humanos. Um pulo na transmissão do vírus causado por nós mesmos, pela redução drástica de seus habitats naturais, forçando uma convivência que não existia na natureza. Animais domesticados também nos apresentam novos vírus. Sarampo e tuberculose vieram da nossa relação com rebanhos de gado durante o processo de domesticação. A gripe e suas mutações vêm de aves, em especial dos frangos e porcos. Essa produção em escala de animais apresenta outro risco: algumas criações recebem altas doses de antibióticos, que ajudam na seleção de bactérias cada vez mais resistentes que depois são consumidas por humanos. Exploração de animais, desmatamento, mudanças climáticas, enfim: nosso modelo de desenvolvimento e consumo está em aguda crise há algum tempo e tem produzido surtos, epidemias e agora uma pandemia de escala inédita com efeitos sociais, ecológicos e econômicos. O planeta é um sistema. Nada acontece por acaso. E, cada vez mais alto, a ciência e a natureza vêm nos gritando que uma mudança de rota é nossa única opção. Nossa atual situação fala por si só. André Fraga é Engenheiro Ambiental e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana. #novocoronavírus #pandemias #animaissilvestres #china #pangolim
- Mercadores da Natureza
Como o dinheiro do terceiro maior mercado ilegal do planeta se conecta com a destruição de ambientes naturais criando um ambiente propício à transmissão de novos vírus a humanos A escala da pandemia que atingimos com o coronavírus revelou, entre muitas outras questões, o elo final de um mercado ilegal bilionário: o tráfico de animais silvestres. Os vírus que nos afetam, tem a sua origem em outros animais: aves, porcos, morcegos, dromedários e até mesmo vacas são ou já foram o elo entre nós e um vírus mortal para humanos. Mas, os animais silvestres têm sido a origem da maioria dos surtos, epidemias e agora a pandemia que vivemos nas últimas décadas. O coronavírus provavelmente tem origem em um morcego, mas passou por um pangolim (ameaçado de extinção e considerado o animal silvestre mais traficado do mundo), e chegou em humanos, provavelmente, em um mercado de animais vivos em Wuhan, na China. Mas, para entender o consumo de animais silvestres na China precisamos voltar a década de 1960. Entre 1958 e 1961, a China viveu uma crise de produção e abastecimento de alimentos conhecida como “A Grande Fome”. Se estima que, nesse período, cerca de 30 milhões de pessoas morreram em função de políticas estatais equivocadas na produção de alimentos, incluindo o incentivo a caça em massa de pardais pela população. Sem pardais, a dispersão de sementes não acontecia mais e os gafanhotos proliferaram, atacando ferozmente plantações. Considerando o desastre, o governo central foi, aos poucos, promovendo a descoletivização dos campos. A partir de então, camponeses começaram a criar animais silvestres em pequena escala, como forma de sustento tendo, inicialmente, o apoio do governo. Em 1988, a Lei Nacional de Proteção de Animais Silvestres, altera as regras e passa e classificar os animais selvagens como ¨Recursos Naturais da Propriedade do Estado¨, regulamentando quem já produzia esse ¨recurso¨, além de encorajar a domesticação e criação de animais silvestres. Surge, então, uma mega indústria, que reúne animais de ecossistemas distintos, em um mesmo espaço físico e que encobre o comércio ilegal de espécies ameaçadas de extinção como tigres, rinocerontes e pangolins. Não podíamos esperar nada diferente: em 2000, surge o primeiro surto da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave causada pelo coronavírus, a SARS-CoV) na China, que infectou mais de 8.000 pessoas e foi a causa de mais de 750 mortes, em todo o mundo, antes de ser contido. Uma das primeiras medidas tomada pelas autoridades chinesas foi fechar os mercados onde esses animais são negociados. Meses depois de passado o surto, 56 espécies foram autorizadas a serem criadas, inclusive as civetas, animal hospedeiro da SARS. Entre 2004 e 2018, a indústria de criação de animais silvestres na China aumentou 40%, tendo seu consumo associado ao estilo de vida fitness, aumento da libido, melhorias estéticas e tratamentos de saúde através da medicina tradicional. A mesma medicina que hoje tem receitado pó de chifre de rinoceronte e bile de urso como remédio para tratar a COVID-19. No fim de fevereiro, o governo chinês divulgou a proibição temporária de toda a criação e o consumo de “animais silvestres terrestres de importante valor ecológico, científico e social”, mais uma vez. Policial observa civeta selvagem capturada por fazendeiro em Wuhan, na China Foto: AFP via Getty Images Por ser um mercado ilegal, as estimativas variam entre 10 e 15 bilhões de dólares por ano com relação ao movimento do tráfico de animais, subindo para o terceiro lugar no pódio de atividades ilegais do mundo, só perdendo para os tráficos de armas e de drogas. Já a participação do Brasil, varia de 5% a 70% do total mundial. Isto é, cerca de 38 milhões podem estar sendo retirados da natureza por ano só aqui. Desses, 90% são pássaros. Estima-se que de 10 animais traficados, apenas um sobreviva. Um movimento de até 2,5 bilhões de dólares. Em nossos vizinhos amazônicos, como Suriname e Bolívia, já se mapeou a caça de onças para abastecer o mercado chinês de medicina oriental que, antes, usava partes do tigre para curar desde ressacas a câncer. O preço final de uma onça na China, entre 2000 a 3000 dólares por animal, contrasta com o preço pago para caçadores no Suriname, fronteira com o Amapá, de 260 dólares, de acordo a uma investigação feita pela World Animal Protection. Se preferir, o caçador pode receber um carro novo ou 20 gramas de ouro. Desmembrada, cozida e seca, em um processo que leva até sete dias, a “pasta de onça”, creme negro, fica mais fácil de ser transportado ilegalmente em tubos e é usado para curar artrite, aumentar a vitalidade e eliminar toxinas do corpo. Os tubos chegam a custar 3 mil dólares e cada animal rende entre 20 a 30 tubos, enquanto garras e dentes custam entre 67 e 1 200 dólares, se adornados com ouro. Já a pele pode ser trocada por armas de fogo na fronteira ou vendida por 500 reais. Sim, reais, pois caçadores brasileiros já estão conectados ao tráfico internacional de animais silvestres, de acordo com indícios encontrados em pesquisa da WWF nas Guianas. Onça-pintada morta provavelmente para alimentar o mercado asiático. Foto: Proteção Animal Mundial Assim como na China, o mercado brasileiro legal de animais silvestres vem sendo usado também para encobrir atividade ilegal de retirada de animais da natureza. Uma investigação liderada pelo IBAMA, cruzou dados do sistema de informações alimentado pelos criadores legalizados com dados reunidos em operações de fiscalização e encontrou incompatibilidade em 80% das anilhas (anéis de identificação) dos animais. Ou seja, os animais identificados como nascidos e criados em cativeiro na verdade tinham sido capturados adultos na natureza. Além das fraudes, há ainda a forma branda com que são tratadas as penas para os traficantes, que ficam impunes dos crimes que cometem. A Lei de Crimes Ambientais (9.605 de 1998), criminaliza a conduta de “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre” sem autorização, com pena de seis meses a um ano de prisão, mas não cita o tráfico de animais como crime. A prática corrente para crimes que preveem menos de quatro anos de prisão é aplicar penas alternativas, como serviços comunitários. Isso, faz da impunidade a regra. Traficantes presos reiteradas vezes pagam pequenas multas e seguem soltos cometendo os mesmos crimes, dilapidando a nossa biodiversidade. Foto: Veja O tráfico de animais no Brasil, se aproveitando da falta de informação da população quanto as regras de possuir animais silvestres como pets, se digitalizou nos últimos anos e passou, em parte, para as redes sociais. Em 2018, o IBAMA realizou uma operação na internet e encontrou 1277 animais à venda nas redes sociais, aplicou meio milhão de reais em multas, resgatou 13 animais e cumpriu mandados de busca e apreensão em 15 estados detendo 12 pessoas. Quase todas (85%) atuavam no Facebook, onde qualquer cidadão consegue encontrar facilmente anúncios de venda de animais silvestres. Para evitar a impunidade dos traficantes segue parado na Câmara dos Deputados, desde 2003, o projeto de lei 347 do Deputado Federal Zequinha Sarney do Partido Verde, que torna o tráfico de animais um crime qualificado. Apesar de tramitar em regime de urgência desde 2016, ele ainda não foi votado. Em paralelo, há uma proposta a ser votada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que pode piorar a situação: reduzir a documentação necessária para o transporte de animais no país. Outro elo cada vez mais precário são os Centros de Triagem de Animais Silvestres, os CETAS. Atualmente, estão na maioria dos casos, sob a responsabilidade do IBAMA, mas em negociação para que Estados assumam. É para esses centros que os animais são levados quando resgatados das mãos de traficantes para se recuperarem e, quando possível, serem devolvidos a natureza. O estado da maioria dos CETAS é de falta de equipes e infraestrutura precária. Na Bahia, a região de Feira de Santana, é uma das principais rotas de tráfico de animais do Brasil. Em 2005, a Comissão Parlamentar da Biopirataria listou 11 rotas rodoviárias de tráfico no País. Destas, seis tinham a Bahia como ponto de partida. A fauna rica, o vasto território cortado por muitas estradas e uma fiscalização precária contribuem para o quadro. O caso do CETAS em Salvador é emblemático. Por descumprimento de acordo entre IBAMA e INEMA (que não assumiu a rede de CETAS conforme os termos), o centro passou um período sem receber novos animais resgatados. O país vivia casos de febre amarela urbana e muitos macacos passaram a ser alvo de ataques da população, apesar de serem bioindicadores da existência do mosquito e não hospedeiros do vírus. Como o CETAS não recebia os animais resgatados pela Guarda Municipal, que possui um grupamento ambiental, um elo importante nas políticas de saúde pública foi interrompido. Atualmente, o CETAS segue em precariedade na capital baiana. Denunciada a situação pelo Partido Verde de Salvador ao Ministério Público Estadual, até hoje a investigação não apontou solução ou sequer ouviu as partes envolvidas. Foto: Arquivo pessoal Esse volume de animais sendo retirados de seus ambientes naturais desequilibra ecossistemas inteiros. Mudanças na frutificação de árvores e consequente redução da vitalidade e biodiversidade desses ambientes promovem migrações de espécies forçando uma convivência entre animais que não se encontrariam normalmente na natureza. Temos tudo que é necessário para o pulo de vírus para humanos. A natureza é uma grande rede. Nada acontece por acaso. Somos a nação que detém a maior biodiversidade do planeta. Algo que deveria ser considero fator estratégico segue sendo dilapidado com velocidade. Plantamos boi no lugar de florestas, que também podem ser chamadas de reserva incalculável de alimento para um dos pilares da nova economia: a biotecnologia. Entregamos nosso ouro por uns trocados em troca de boi e soja. Enquanto isso, iniciativas do Governo Federal buscam regularizar terras de grileiros e criminosos nos biomas brasileiros e uma fala sincera do anti-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, revelou o que já sabíamos: eles querem passar uma boiada em cima da floresta. #ecossistema #andréfraga #biodiversidade #sustentabilidade #coronavirus #meioambiente #animaissilvestres #animais #tráficodeanimais #pandemia #natureza #salvador
- Futuro sem senso
Enquanto o mantra da nova economia é data is the new oil, políticas públicas precisam recorrer à corporações privadas como Google e Waze para garantir dados, institutos públicos são sucateados e seguimos sem percepção, sem sentido, sem direção, sem senso. Tem pandemia, governo negacionista, centrão, emenda secreta em orçamento público, presidente fake news. Uma decisão que coloca o futuro do Brasil em segundo plano não mobilizou a força necessária para sua reversão. O adiamento do Censo 2020, ainda sem perspectivas de acontecer, contribuirá com a consolidação das injustiças e das desigualdades, além de ajudar esse governo que não tem apreço à democracia, a manipular números e dados, sem quaisquer questionamentos. Depois de garantir quase 6 bilhões de reais para o fundão eleitoral, deputados federais cortaram, com o aval do governo federal, quase 100% dos recursos para a execução do Censo 2020. Caiu de 2,3 bilhões de reais, para 53 milhões. Um troco que elimina qualquer possibilidade de atualização dos dados estatísticos mais importantes do país e nos deixa às cegas. A Constituição dos Estados Unidos, famosa por conter apenas temas fundamentais para o Estado, traz a exigência da realização de Censos a cada 10 anos. Nem a Guerra Civil impediu que a pesquisa fosse realizada. No Brasil, o primeiro recenseamento de relevância foi desenvolvido por Dom Pedro II em 1872, até que, em 1936, surge o IBGE que passou a empreender de forma mais organizada os levantamentos estatísticos nacionais. Como está a geração que ficou sem aulas na pandemia ou como desenvolver uma modelagem real e assertiva para o programa de concessões de setores da infraestrutura, como os de saneamento, se não sabemos como evoluiu o déficit no país na última década? Como desenvolver projeções sobre as demandas de energia que garantam investimentos privados? A não realização do Censo coloca o país em uma cegueira sem precedentes. Num momento em que a pandemia afetou a vida das pessoas, levando milhões à pobreza e à miséria, o levantamento seria um instrumento fundamental para projetar políticas públicas para enfrentar tais desafios. Perguntas que ficaram sem resposta, ou respostas que demorarão muito para serem respondidas. Talvez tarde demais. O IBGE já enfrenta dezenas de processos judiciais Brasil afora, em função de municípios que se sentem prejudicados por conta do prejuízo que a defasagem do Censo 2010 causa aos seus cofres, em virtude do repasse equivocado do Fundo de Participação dos Municípios, cujo principal critério de contabilização é o quantitativo populacional informado pelo IBGE. Conhecer os dados garante aplicação correta de dinheiro e possibilita mensurar o avanço de indicadores de políticas públicas. Um governo que descredencia dados de desmatamento da Amazônia e mortes na pandemia, revela a ignorância de quem desconhece o retorno de se investir na produção e promoção de dados estatísticos, como crescimento econômico, redução de desigualdades e melhoria da qualidade de vida. Com os baixos resultados de políticas públicas, não ter o que mostrar é combustível para o questionamento de métricas e a não realização de novos levantamentos. Mais uma forma de corroer a democracia. Artigo originalmente publicado no jornal Correio no dia 04/08/2020 #vereador #andréfraga #partidoverde #correio #educação #censo #ibge #governo #salvador
- Sem clima para a economia
Um vídeo que viralizou logo no início da pandemia mostra o fundador da Microsoft, Bill Gates, na conferência anual TED. Gates sobe ao palco empurrando um antigo cilindro de mantimentos da década de 1950, utilizado na guerra nuclear. Ao longo de oito minutos e vinte segundos, ele não falou sobre tendências da tecnologia ou empreendedorismo, se ateve a falar sobre o que considerava ser o maior risco que a humanidade corria nos dias atuais: uma pandemia. Era 2014. Agora em 2021, Gates lança um livro e soma-se aos milhares de cientistas ao redor do planeta que alertam sobre o caos que a mudança do clima global vem gerando e gerará. Ao longo dos capítulos de Como Evitar um Desastre Climático, ele aponta os desafios e soluções possíveis para que uma hecatombe sem precedentes não se abata sobre o planeta e diz: “a crise climática terá efeitos muito mais devastadores que uma pandemia”. Em 2020, o Fórum Econômico Mundial, em seu Relatório Global de Riscos, alertou que a mudança do clima em escala planetária é o maior risco para a economia mundial. O estudo, publicado anualmente antes do encontro em Davos, apontou pela primeira vez que todos os cinco principais riscos têm relação com o modelo de consumo e produção insustentáveis que a humanidade consolidou nos últimos séculos. Nada tão novo, afinal, cientistas e pesquisadores gritam isso há, pelo menos, quatro décadas. O próprio Fórum Econômico Mundial já vinha alertando para os riscos de uma epidemia em escala global impactar seus bolsos desde 2006. Em 2021, os riscos associados à emergência climática e a perda da biodiversidade mais uma vez apareceram em destaque, buscando alertar a diretoria do capitalismo mundial que seu modelo está levando o planeta ao esgotamento. Enquanto isso, o Brasil passa vergonha na Cúpula Mundial sobre Mudança do Clima e vê adiado o sonho de entrar na OCDE por conta do desmonte sistemático das políticas ambientais. Caso nada seja feito para impedir esses efeitos, as 200 maiores empresas do mundo terão custos adicionais de US$1 trilhão. A conta vai muito além quando colocarmos governos e outras empresas na equação. A Europa já desenhou e começou a tirar do papel o seu Green New Deal, um esforço pós-pandemia, para redirecionar a economia e estruturar cadeias de valor de baixo carbono. A China e os Estados Unidos seguem a mesma direção. O Brasil, a nação mais megadiversa do planeta, ainda não compreendeu, ao menos o atual governo, o valor estratégico dessa riqueza. Prefere jogar todas as suas fichas em commodities que qualquer um pode fornecer. Em um planeta com o clima descontrolado, regiões superprodutivas se transformam em desertos e safras inteiras são dizimadas por eventos extremos. Clima e economia estão entrelaçados. Não haverá no mundo, assim como na pandemia, uma só nação imune aos seus efeitos. E os mais pobres certamente sofrerão mais. A nós, foi reservada a dádiva da biodiversidade como oportunidade. Cabe a nós entender isso. Artigo publicado originalmente no Diário Oficial do Município de Salvador no dia 01/06/2021 #billgates #vereador #andréfraga #meioambiente #economia #clima #covid19 #salvador
- Um oceano de oportunidades
O maior habitat do planeta está cada vez mais sendo afetado pela mudança global do clima. Os oceanos desempenham um papel fundamental no equilíbrio planetário, seja por produzir 70% do nosso oxigênio, seja por absorver e estocar boa parte do carbono ou por sustentar importantes setores econômicos, Cientistas defendem a necessidade de protegermos ao menos 30% da superfície marinha, mas alertam para a inexistência de um acordo internacional visando a criação de santuários em águas internacionais garantindo emprego e renda a milhões de pessoas. Eles regulam a temperatura global e, por isso, devemos ficar preocupados, pois o seu desequilíbrio é, ao mesmo tempo, causa e efeito da emergência climática planetária. As águas superficiais estão mais quentes, o nível do mar está aumentando em função do derretimento do gelo nos pólos (em fevereiro de 2020, a Antártica registrou 20.7ºC de temperatura, a maior desde que iniciaram as medições). A temperatura de correntes marinhas alterada produz efeitos no transporte de nutrientes e na produção de oxigênio, mudanças nos ciclos oceânicos que potencializam fenômenos como o El Niño, La Niña e eventos climáticos extremos como furacões e tufões, além da acidificação das águas que afeta significativamente os recifes de corais (90% das espécies podem desaparecer). Zonas costeiras abrigam 28% da população mundial, cerca de 2 bilhões de pessoas que têm suas vidas influenciadas direta ou indiretamente pelos ecossistemas marinhos. De acordo com o Relatório Especial sobre o Oceano e a Criosfera em um Clima sob Mudança, produzido pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, 170 milhões de toneladas de frutos do mar são extraídos todos os anos para consumo humano, um outro problema que afeta diretamente a biodiversidade marinha. O relatório indica que o nível médio global do mar pode aumentar em 1,1 metro até 2100, no pior cenário de aquecimento, o que trará consequências incalculáveis para as vidas de 700 milhões de pessoas. Estoques pesqueiros, já muito ameaçados pela pesca comercial em larga escala, também sofrem impacto direto, por conta da migração de cardumes para regiões mais frias, desequilibrando a cadeia alimentar e reduzindo populações locais de espécies com potencial econômico e, até mesmo, levando à extinção. O desequilíbrio do oceano afeta até mesmo a agricultura, por alterar o regime de chuvas nos continentes. O Relatório da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, de 2019, apontou que apenas 1% dos orçamentos nacionais para pesquisas é direcionado para os oceanos e estima que somente 19% do seu fundo já foi mapeado e catalogado. A ONU declarou que de 2021 a 2030 será a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável – mais conhecida como Década do Oceano, e pretende mobilizar cientistas, gestores, políticos e sociedades para protegerem o oceano que, apesar de cobrir 71% da superfície do planeta Terra, é pouco conhecido e conservado (apenas 3% de sua área é protegida). Uma ação fundamental é criar áreas protegidas e livres de atividades econômicas destrutivas, áreas que não pertencem a nenhum país. Por isso, um movimento global que já conta com apoio de diversos países têm se formado para a criação de um Tratado Global dos Oceanos, com o objetivo de criar ferramentas legais que permitam a proteção dessas áreas. Salvador criou recentemente o Parque Marinho da Barra, e está em curso a criação do Parque Marinho da Cidade Baixa, os primeiros santuários marinhos da cidade. Mais de 3 bilhões de pessoas dependem dos oceanos, que são responsáveis por 30 milhões de empregos diretos, gerando US$ 3 trilhões de doláres por ano, o que classificaria, em termos econômicos, como a 5ª economia do mundo. E é nessa perspectiva, da economia do mar, que a recuperação de habitats como manguezais, restingas e vegetação submersa devem ser encaradas como oportunidades de geração de mais emprego e renda. O ecoturismo é outro grande potencial ainda pouco explorado, seja com o mergulho, seja com avistamento de baleias e outros animais marinhos. As praias perdem bilhões por ano por poluição plástica e de esgotos. Os oceanos podem ainda gerar energia limpa por ondas e marés, contribuindo para a criação de mais oceantechs, para não perder o bonde da digitalização e da inovação da economia global. A Amazônia Azul é um oceano de oportunidades. Dá para virar a página da crise. É só querer e agir. Artigo originalmente publicano no site MAR BAHIA no dia 08/06/2021.08 #vereador #andréfraga #partidoverde #onu #BTS #baíadetodosossantos #amazoniaazul #salvador #oceanos
- Energia solar: emprego, economia e meio ambiente
Não é mera coincidência que a maior inflação de maio dos últimos 25 anos aconteça junto da maior crise hídrica dos últimos 91 anos no Brasil. As evidências científicas demonstram que a mudança global do clima já afeta os brasileiros: a crise hídrica prejudica o sistema elétrico nacional, 60% baseado em hidrelétricas. A seca esvaziou os reservatórios, forçando o País a ligar termelétricas fósseis, mais caras e poluentes. O resultado é um pesado aumento na conta de luz, levando a inflação da energia elétrica a 5,37%, sendo a principal responsável pelo aumento do IPCA. Mas há soluções. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), desde 2012, o setor já gerou mais de 292 mil novos empregos, via R$ 51,2 bilhões em investimentos, que garantiram R$ 14,4 bilhões em tributos ao setor público, evitando a emissão de 10,7 milhões de toneladas de CO2. A Bahia é o 2º maior estado em grandes usinas solares, mas ainda ocupa o 10º lugar em pequenos e médios sistemas em telhados (geração distribuída). Está atrás de estados com menor recurso solar e tamanho inferior a 20% do seu território. Já Salvador lançou, em 2018, numa parceria com a ABSOLAR, o IPTU Amarelo, que concede descontos para residências com geração solar fotovoltaica. Desde então, a cidade deu um salto de 6,5 para 17,9 megawatts em potência instalada, liderando com folga os indicadores de geração distribuída no estado. Desde 2012, foram quase R$ 100 milhões investidos, que geraram 530 novos empregos e mais de R$ 23 milhões em arrecadação de tributos. Na Câmara Municipal de Salvador, tramitam dois projetos que, se aprovados pelos vereadores e implementados pelo executivo, serão estratégicos ao desenvolvimento da energia solar. O PL 220/221, propõe que a prefeitura amplie incentivos e crie um programa mais robusto para a energia solar. Já o Projeto de Indicação 440/221, sugere ao governador da Bahia, Rui Costa, a criação de um novo convênio ICMS no Conselho Nacional de Política Fazendária, autorizativo e por adesão, para: (i) adequar o benefício a todas as componentes da tarifa de energia elétrica; (ii) aplicar o benefício a todas as modalidades de microgeração e minigeração distribuída; e (iii) adequar a faixa de potência do benefício para a minigeração: maior que 75 KW e menor ou igual a 5 MW. Com isso, a Bahia terá as mesmas condições que já são dadas hoje por Minas Gerais, líder na geração distribuída no Brasil. Fundamental também superar dificuldades com a concessionária de energia elétrica, como descumprimentos de prazos regulatórios, que geram entraves aos negócios e suas operações. A partir do sol é possível gerar ainda mais empregos, renda e negócios. De forma distribuída, mais democrática e mais justa. André Fraga é engenheiro ambiental, vereador de Salvador e vive na primeira residência certificada pelo Programa IPTU Amarelo de Salvador. Rodrigo Lopes Sauaia é presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), doutor em Engenharia e Tecnologia de Materiais, mestre em Energias Renováveis e bacharel em Química. Artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde no dia 25/08/2021 #andréfraga #partidoverde #sustentabilidade #energiasolar #absolar #salvador